quarta-feira, 25 de maio de 2016

Despedi-me! Encontrei-me.


Este texto foi publicado no blog umacabeleireirafeminista.wordpress.com no dia 19 de Abril de 2016

Despedi-me. E agora? Agora escrevo sobre isso.  
Até que ponto devemos deixar que alguém calque os nossos valores... Até que ponto podemos aguentar a humilhação disfarçada de piada... Até que ponto temos de fingir não ouvir, não ser, não sentir... Por um emprego neste país? 
Considero-me uma defensora da igualdade, dos direitos humanos e do respeito... uma pessoa segura e convicta das suas escolhas... Mas precisei que me abrissem os olhos para perceber que se estava a ser abusada e injustiçada, tinha de agir. 
Hoje despedi-me. Fui trabalhar com a certeza de que tinha força para aguentar isto pelo menos até ao fim do mês, ou até arranjar outro emprego, mas passado duas horas estou em casa.
 A minha patroa é uma senhora que à primeira vista é muito querida e engraçada mas não é preciso muito para se perceber que esse "engraçada" está de braço dado com o 'maluca' que só mais tarde se revela. 
Nos meus primeiros dias foi crescendo uma amizade entre nós... Eu ajudava-a com tudo o que precisasse, inclusive gostava de lhe falar de feminismos, de discriminações etc, e ela parecia entender e concordar. Cheguei até a ter muito carinho pela senhora por, inocentemente, acreditar na sua pureza e bondade... Porque ela me fazia sentir esperança no futuro... Mas isso passou rápido. 
Primeiro veio a pena e a tentativa de compreender uma senhora cuja vida foi difícil, com idade já avançada que talvez só precisasse de um desconto; depois veio a revolta de ouvir e calar, o sentimento de humilhação em frente aos clientes e a desilusão, pois tinha muita esperança neste emprego; logo de seguida, quase no mesmo momento, veio o medo... O "e agora?" ... Tenho pouca experiência na área e tenho de começar tudo de novo.
Tive medo, chorei e levei na cabeça da minha namorada que, com razão, me chamou de hipócrita por aceitar algo em que não acredito, ou por defender algo que não pratico! 
Hoje fui trabalhar e ela estava impossível, insinuou que sou porca, que não faço nada e que sou mal educada. Chamou-me isto tudo depois de passar um mês e meio a enaltecer-me como "menina bem educada" , "limpinha" e "trabalhadora" . Provavelmente estava chateada porque eu a semana passada lhe pedi para não me tratar assim ou por ter ido ao médico e descobrir que tem uma depressão! 
Eu não tenho culpa disso minha Senhora! Eu sou uma pessoa muito ansiosa e não venho para aqui chorar, não a chateio com os meus problemas e não a chamo de 'P*ta velha' (ela chamava-me P*ta pequena, segundo ela, carinhosamente). 
Despedi-me! Passei-me! E senti-me bem... Sinto-me bem... Sinto que agi segundo os meus valores e não me interessa o que os outros possam pensar. Estou aliviada, sinto-me EU, sinto-me bem!
Em Portugal, tal como em muitos outros Países, dizem que não há emprego. O emprego existe, mas nem todos os conseguem. Sei que vai ser difícil encontrar emprego, sou cabeleireira e já sofri discriminação no emprego devido ao meus aspeto, ao meu CABELO. Às vezes é azul, outras vezes rosa, outras vezes nem eu sei. Às vezes é curtíssimo, outras vezes um bocadinho maior. Tenho um piercings no nariz e tatuagens. Obviamente, vou ter dificuldade em arranjar emprego, mas vou conseguir. Acredito em mim, e mais que isso ainda acredito na humanidade apesar da desilusão de hoje. 
O que eu sofri foi humilhação mas foi também discriminação. A minha ex patroa foi muito rica, teve muitos criados num tempo que não é o de agora. Foi assim que ela me tratou, como uma criada dos anos 20. 
Aquela pessoa que eu pensava ser diferente afinal era igual ou pior do que aqueles que ela própria critíca. 
Mais uma desilusão, mais uma lição de vida! Mais uma prova de que ainda precisamos de lutar!

UmaCabeleireiraFeminista

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